sexta-feira, julho 01, 2016

Numa tarde - Ou como quase nunca a morte de alguem é aquilo que poderiamos esperar se esperássemos efectivamente

Quando tinha cerca de seis anos, como tantas vezes ocorreu, fomos jantar a casa dos nossos tios Luís e Bela (a senhora, um doce de mulher, chama-se Isabel, mas pelo carinho que merece, assim a identifico). Por alguma razão que não me volta à memória, devo ter respondido de forma menos polida, mas de todo o modo respeitosa. Virou-se para o cão e chamou-o, usando o meu nome. Acto consumado, olhou para mim a rir-se, com alguma satisfação vingativa no olhar.

Numa outra ocasião, fui meter-me com ela. Perguntar por que razão havia Cristo morrido por nós. Só isto. Foram 6 horas de diálogo com ela, que até tinha sido freira. Não conseguiu explicar. Lembro-me de o meu antigo padrinho se rir a bandeiras despregadas. Do meu avô também.

Finalmente, num momento cronológico não alinhado com os anteriores, sentou-se na mesa de jogo que pontifica (sim, pontifica, adoro que uma mesa se destine ao jogo puro e duro) na casa dos meus pais e jogou um "pente" de sueca. Dizia: "filho, sempre tive que me virar e surpreender".

Hoje, envolvida em madeira fria, despedimo-nos dela.

Pessoas existem que não queremos que morram de forma alguma. Daí nunca imaginarmos a sua morte. Serão sempre imortais e, até certo ponto da nossa vida, são-no, porque não existe maneira que chegue o seu fim.

Este caso era diferente. Aqui, como que havia uma presunção de imortalidade. Foi um caso em que olhámos e dissemos: ela? Não cai. Não caiu.

Quando as despedidas foram proferidas, quase caiu aquela falácia que sustenta que "todos morremos sozinhos".

"Espera por mim lá em cima. Adeus, minha querida amiga".

E se eram amigas.

Se foram.