quinta-feira, setembro 01, 2016

O inexplicável a encontrar o banal

O exorcismo é qualquer coisa parecida com uma expulsão. É preciso acreditar que há espíritos ou outras entidades não materiais e também não terrenas.Com o exorcismo pretende-se expulsar as tais entidades de um corpo. Essas entidades controlam esse corpo e farão dele o que bem entenderem. Na crença cristã e baseado em tantos filmes e alguns livros que li sobre a matéria, o exorcismo visa expulsar de um corpo um espírito do mal.

Realidade próxima desta é a chamada dor do membro fantasma. Sinteticamente, essa dor dá-se quando alguém vê amputado um membro, por alguma maleita, e continua a sentir dor proveniente daquele membro. É como se me cortassem um braço por estar infectado e eu continuasse a sentir dali dor, ainda que o braço já tenha servido de adubo.

De maneiras que ontem perdi o meu animal de estimação, o Lenine.

Já perdi outros, no passado. Senti a dor, mas, estranhamente, nada foi como agora. Estive a pensar nas razões.

Vi aquela criatura chegar à minha casa com poucos dias, nem um mês, segundo recordo. Media e pesava pouco. Explorava, cheirava. Usucapiu aqueles metros quadrados a que chamo casa num tempo record, imprevisto pelo melhor dos Códigos Civis. Levei-o ao médico amiúde. Cumpri escrupulosamente o plano de vacinação e de desparasitação. Comprei a melhor ração. Quando não pude tratar dele, deixei-o ao cuidado daqueles em quem confiava, ora os meus pais, ora os dela, ora os melhores amigos.

Ontem disseram-me que nasceu com os rins afectados. Que a maleita que sobre ele se abateu era inevitável. Que podia esconder qualquer sintoma até que os rins estivessem apenas a 25% da sua capacidade. Foi o que fez.

Naquele dia em que o vi deitar-se debaixo da minha cama, para só depois se ir deitar debaixo do meu sofá, revi cenas antigas. Fiz com ele o que faria ao meu filho: corri com ele para as urgências para tentar perceber como e porquê se estava a dar o declínio.

Ao final do dia, quando voltámos para casa, já sem ele, a casa não era a mesma. Faltava o ser que vinha a porta cumprimentar quem visitava. Faltava o ser que acompanhava religiosamente quem ia à casa de banho. Faltava um terceiro elemento na cama, tomando o que queria.

Hoje, sinto uma insuportável dor do membro fantasma. Amputada que me foi aquela parte da minha vida (da nossa), morro um pouco por dentro. Não há como parar.

O Lenine foi exorcizado da sua casa. Sem que o quisesse, sem que quiséssemos. Perdemos um pilar, ou então um ovo, se pensarmos em nós como um projecto de doce.

E aqui chego. A sofrer como uma criança pequena, com esporádicos episódios de desespero, a lamentar que algo banal como a morte, que tantas vezes se revelou e demonstrou perante mim, seja tão difícil de suportar.

Diria que: é a vida.

Mas é a morte.